sexta-feira, 17 de outubro de 2008

A importância da vontade de mudar

Os projetos sociais desenvolvidos dentros das comunidades periféricas brasileiras têm se tornado instrumentos comuns na luta pela inclusão social dos seus moradores. As populações carentes de polítcas públicas básicas tendem, normalmente, a se articularem de modo a promoverem a ascenção social de seus integrantes, protegendo-os do assédio da criminalidade que as rodeia.
“[...] os grupos minoritários podem optar por adotar formas de ação capazes de fazer frente à crueldade institucionalizada e generalizada com projetos sociais inclusivos que priorizem a existência harmônica entre os cidadãos.” (Paiva e Barbalho, 2005, p.17)

A elaboração de um projeto dessa natureza implica em diagnosticar uma realidade social, identificar contextos sócio-históricos, compreender as relações comunitárias e planejar uma intervenção que possibilite uma transformação social, a qual não ocorre sem uma grande participação das principais personagens envolvidas neste cenário.
“A identidade étnico-cultural, em especial, se revelou um poderoso catalisador ideológico, capaz de secretar complexos mecanismos de estruturação da vida social sob todas as suas formas, funcionando notadamente como molde (parcial ou predominante) dos quadros simbólicos que estabelecem os critérios de reconhecimento e as regras de conduta dentro do próprio grupo e nas relações com o resto da sociedade” (Paiva e Barbalho, 2005, p. 192)

Os projetos sociais nascem do desejo de mudar uma realidade. Eles são pontes entre a esperança de alcançar determinada visibilidade e a realidade da situação de exclusão na qual um grupo se encontra. É necessário que haja ações estruturadas de maneiras organizadas para que a partir da reflexão e do diagnóstico sobre um determinado problema, possa se chegar a uma solução efetiva.
"Um projeto é uma ação social planejada, estruturada em objetivos, resultados e atividades, baseados em uma quantidade limitada de recursos (...) e de tempo" (Armani, 2000, p.18).

Essas articulações da Sociedade Civil formatadas, algumas vezes, como organizações não governamentais (ONG´s) buscam inserir ou complementar o trabalho do Estado, realizando ações aonde ele não chega, podendo receber financiamentos e doações do mesmo, e também de entidades privadas, para tal fim. Desse modo, ao mesmo tempo em que a Sociedade Civil
vem se fortalecendo e desenvolvendo novas formas de organizações, ela está surgindo, também, como protagonista da ação social. Isto quer dizer que está atuando de forma direta nas questões sociais e também participando ativamente na elaboração de políticas públicas.
Os trabalhos realizados pelas ONG’s se desenvolvem, em sua maioria, focados na educação e formação de cidadãos dentro das comunidades. Elas atuam gerando espaços de aprofundada discussão sobre temas relativos às etnias, gêneros, crianças e adolescentes; procurando evidenciar os caminhos que existem para a superação dos problemas sociais com os quais estão acostumados a conviver.
“Tantas são as excludências injustificáveis numa sociedade como a brasileira, que não é preciso muito gênio para inventar missões impossíveis. Basta atravessar as fronteiras sociais e propor alguma medida concreta de mediação. Em tais circunstâncias, o discernimento pragmático se torna uma virtude apaixonante” (Fernandes, 1994, p.94).
Fazendo o que o governo não faz, as ONG’s deixam de ser apenas interlocutores do social para se tornarem seus representantes junto à opinião pública, encarnando a ação cidadã que dá conta das questões sociais. Por sua vez, o governo também passa a promover seu programa social de braços dados com elas, chamando-as à responsabilidade e à cumplicidade com seu programa de ação.
Por esse motivo, alguns gestores de projetos sociais apresentam resistência em dar ao seu trabalho o formato de ONG. Nesses casos a principal preocupação está relacionada com a autonomia que se pretende ter com relação a uma possível interferência governamental. Sendo subsidiados pelo Estado, existe um risco de comprometer o perfil ideológico implantado pela articulação da comunidade.
Entretanto, a auto-gestão dos projetos requer, também, que eles sejam auto-sustentáveis e para isso é preciso firmar parcerias com empresas privadas e até com organismos internacionais. Não são raros os exemplos de movimentos sociais bem sucedidos encontrados no Brasil que se utilizam desse expediente e estão conseguindo atingir os seus objetivos.
Esta concepção deixa clara a distinção entre as ONG’s e as demais formas instituídas pelos movimentos sociais, no sentido de garantir sua especificidade e legitimação junto às comunidades. As entidades representativas dos movimentos têm íntimo envolvimento político com decisões e questionamentos que levantam, ao passo que a bandeira das ONG’s é a do compromisso para com a sociedade civil organizada, ou seja, não há, necessariamente, um comprometimento com a organização das estratégias de atuação dos movimentos comunitários.
Um dos desafios que se apresenta nesse panorama é o da preservação do espaço de militância dentro das organizações não governamentais. Contudo, será preciso partir de uma transformação na concepção de trabalho dentro dessas organizações, permitindo que suas atuações sejam compatíveis com os movimentos deles derivados.
Na medida em que os papéis desses atores sociais se tornam cada vez mais claros em nossa sociedade, a tendência é tornar os trabalhos de cada um complementares, pondo de lado as diferenças e os preconceitos, criando mais espaços e motivos para a execução das propostas sociais.
No Brasil, um grande exemplo de luta pelo resgate de cidadãos é o GCAR. Nascido em 1993, dentro da favela carioca de Vigário Geral, o grupo desenvolve trabalhos que promovem a inclusão social dos jovens da comunidade. Utilizando-se da arte, da cultura afro-brasileira e de diversos instrumentos educacionais como sustentáculos, o projeto oferece um amplo leque de opções aos jovens que antes encontravam a sua visibilidade, apenas no tráfico de drogas.
Em agosto de 1993, a Polícia Militar promoveu um verdadeiro massacre aos moradores de Vigário Geral. A ação que culminou em chacina estabeleceu um marco ao surgimento do GCAR. Naquele momento, o até então DJ e promotor de bailes funk, José Júnior, que já fora participante da economia do narcotráfico, percebeu a necessidade da criação de um projeto social que se comprometesse com a formação da cidadania dos jovens daquela favela.
A música foi a modalidade artística adota pelo GCAR em seu momento inicial, porém, hoje, existem subgrupos que integram o projeto, desenvolvendo trabalhos ligados à uma variedade artística e cultural que passa pela dança, circo, folclore e a realização de um grande número de oficinas.
“A grande maioria de nós havia passado por constantes fracassos em nossas vidas pessoais, e mesmo assim todos se alimentavam de muita utopia. Talvez esta tenha sido a fórmula necessária para criar uma base institucional e emocional capaz de alavancar o que somos hoje” (Júnior, 2006, p.28)

A expansão do Afro-Reggae, promovendo apresentações internacionais de suas bandas alavanca fundos que fomentam seus projetos cívicos. Alguns jovens resgatados pelo Afro-Circo já tiveram experiências em companhias internacionais, como a canadense Cirque du Soleil e o norte-americana Ringling Bros, onde aperfeiçoaram-se, trazendo inovações para a cultura popular das favelas do Rio de Janeiro, adaptando-as às suas raízes.
O Grupo Cultural vem trabalhando ao longo dos anos no sentido de romper com os abismos que separam negros e brancos, ricos e pobres, na certeza de que esta é a única alternativa para que se possa construir uma paz duradoura. O projeto acredita que a maneira mais eficiente de promover o desenvolvimento do país começa por criar oportunidades para aqueles que estão em situação de risco pessoal, a fim de que eles possam deixar de ser mais um número nas estatísticas de pobreza e violência para se tornarem cidadãos que contribuam para a construção de riquezas, e, na justa medida, possam também ter o direito de usufruir das mesmas.
A comunidade de Vigário Geral foi a primeira experiência do GCAR, e graças ao incentivo a auto-estima dos moradores desta favela, famosa em todo o Brasil pela violência, ela agora é reconhecida como um pólo gerador de arte e cultura. Os gestores do projeto esperam obter o mesmo sucesso, trabalhando em outras localidades, inclusive onde existem facções criminosas rivais, a exemplo de Parada de Lucas, Cidade de Deus, Cantagalo e Pavão-Pavãozinho.
A redução de noventa por cento do número de jovens envolvidos com o tráfico de drogas em Vigário Geral, desde a criação do GCAR até os dias de hoje, é um dado que expressa a vitória dessa iniciativa e estimula o surgimento de outros projetos pelas periferias brasileiras.
“Temos que criar um canal de discussão mais real entre os três vértices fundamentais dessa questão: o governo, a sociedade, civil e as empresas privadas. Não tem ninguém totalmente certo nem totalmente errado: tem que se discutir. E ainda há um outro vértice que vem imperando, quer queira, quer não: o tráfico de drogas. Até para extingui-lo, é necessário reconhecer que ele existe”. (Júnior, 2006, p. 266)

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